sexta-feira, 26 de junho de 2015

Antonia

     A minha história se passa em uma cidade pequena onde os homens se embalam em suas grandes redes de cobiça e corrupção, grandes como seus bigodes junto às botas que vão até os joelhos. Homens que impõem respeito por seu dinheiro e terras, assim como fui criado para ser, porém prefiro contar-lhes sobre uma história de amor. Não um amor de promessas, mas um amor tão verdadeiro que só lendo vocês irão entender.
    Permitam-me que me apresente, sou Rafael, venho de uma das famílias mais abastadas da redondeza, tenho pele clara, olhos verdes, estatura alta. Mesmo que regado de privilégios, nunca perdi meu jeito de tratar bem todos os tipos de pessoas.
    Antonia, minha amada, que dá nome a este escrito, de origem humilde, sua misericórdia era tão grande que transpassava ao coração daqueles ao seu redor, sempre me pedia para medicar e fazer partos ainda que os pacientes só tenham ovos a oferecer.
    Meus pais, por outro lado, nunca vão perder a pompa, criaram a mim e a meus irmãos para sermos patriarcas envolvidos na política, porém nunca deixarei de ser o menino dos campos que sempre sonhou em ser médico e corria descalço com Antonia menina.
   Ah, pobre Antonia menina! "Esta menina não conseguirá um namorado, ainda mais um bom partido" "ô menina feia, até parece que nasceu mal acabada!" era só o que escutava. Quando fui convidado para almoçar na casa da família dela, sua mãe só lhe dizia "Venha, Antonia, ajudar a servir a mesa!" "Essa menina sem graça, só serve para trabalhar, nunca vai se casar, pois quem vai querer uma coisinha desta, tão magra, não serve nem para parir".
    Na minha família só há filhos homens, sempre melhor tratados que as moças, os pais já pensavam neles crescidos, trabalhando, no ápice do poder. As meninas lhes davam prejuízo, só serviam de enfeite e eram preparadas para servir aos maridos.
    Antonia sempre passava para lá e para cá só ouvindo os cochichos de suas irmãs, desfilando com fitas coloridas nos cabelos, sombrinhas rendadas e vestidos rodados com babados até os pés, preenchendo todos os requisitos de seus papéis sociais, e ela ali, dando comida para as galinhas, ou tirando leite, ou quem sabe fazendo um bolo.
      A menina não se dava por vencida, pois quando sobrava-lhe tempo, aproveitava e lia, estudava, aprendia como se comportar como uma moça conceituada, fazia reverência a um cavalheiro em frente ao espelho ou fingia que era uma dama e sorria calada, fazia tudo sem ninguém ver. 
       Passei minha adolescência em um colégio interno e voltei assim que terminei todos os meus estudos. E lá estava ela. Quase não acreditei, parecia que tinha saído de um conto de fadas, com o vestido ao vento e flores nos cabelos negros, aquela que aceitara casar-se comigo estava mais linda que nunca.
        Com o tempo nossa família foi crescendo, tivemos seis filhos, que foram para nós a maior felicidade. Mas pouco depois do nascimento da mais nova fui percebendo Antonia meio pálida, eu perguntava se estava doente e dizia que não era nada com um sorriso no rosto. Quando não pôde mais esconder, já estava num estágio avançado, suava muito à noite, não vinha me procurar por medo de incomodar. Sempre sofria calada, por mais que eu lhe dissesse que estava longe de ser um fardo pra mim.
        Tentei tratá-la de todo jeito que pude, mas de nada adiantou, seus pulmões já estavam cheios de água e não tive como resgatá-la das mãos da morte. Lágrimas tomaram conta do meu rosto por um tempo que não pude nem contar. Uma ferida se abriu em meu coração, uma ferida que jamais cessaria, mas que tentava todos os dias ser consolada pelas doces memórias de minha amada. 
          Nossos filhos se tornaram bons rapazes e moças, cuidam de mim e me lembram que ainda há amor nesta casa, comemoramos sempre os aniversários dos filhos deles, que pedem histórias sobre a vovó. A história de hoje foi de saudade, do amor inocente de criança que só foi aumentando, correndo descalços pelos campos. Ainda sorrio para minha Antonia.

       
       

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Pétalas

Eu sou a rosa
a rosa que, aos poucos,
suas pétalas, estão caindo.

Caindo por amor,
pela dor, por falta de razão,
razão que está me engolindo
devagar,
aspirando sonhos e fantasias.

Neste cruel devaneio,
neste devastado amor,
que já abominou-me
e me faz sentir dor,
nesta insensatez sem fim

Por que, por que choro? 
e você finge não ouvir,
e minhas folhas continuam caindo
sinto que cada vez que levanto,
está uma pétala na cama,

Olho para os galhos e já estão finos,
e já não há mais folhas

Se antes fui um buquê de rosas,
hoje sobrou apenas uma flor,
que vai se desfazendo aos poucos,
até não sobrar mais nada,
nem uma pétala no travesseiro.